Mural Humanidade

Mural Humanidade

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A pintura mural Humanidade, obra de Hassis (Hiedy de Assis Corrêa) realizada em 1978, ocupa as paredes internas do antigo altar-mor e parte da nave central da Igrejinha da UFSC (antiga igreja da Paróquia da Santíssima Trindade, em Florianópolis-SC). Com 160 m² é a obra em maiores dimensões do artista. A pintura, que esteve bastante danificada, sem tratamento por décadas, foi totalmente restaurada juntamente com parte de reformas na Igrejinha da UFSC.

Acompanhe algumas etapas dos trabalhos nos links seguintes:

Igrejinha da UFSC está em reformas em 2019 e 2020.

Em fins de 2020UFSC finaliza restauração de Igrejinha e Mural Humanidade”  

(Vídeo Documentário – Pelo link da notícia acima citada, é possível acessar o vídeo “Crônicas do Mural Humanidade de Hassis”, produção da UFSC (TV UFSC e SeCArte/DAC), finalizado em 2020, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=EKliPonhHL4

Relatório da Restauração do Mural – Pelo link da mesma noticia citada mais acima, também é possível acessar o detalhado e ilustrado Relatório da Restauração do Mural, disponível em https://noticias.paginas.ufsc.br/files/2020/12/relat%C3%B3rio-da-restaura%C3%A7%C3%A3o.pdf )

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“Hassis criança morou numa chácara do bairro. Foi ajudante de missa na Igrejinha da Santíssima Trindade. Seu pai, tenente do exército, e sua mãe foram atuantes na vida da comunidade. Vivia intensamente a paisagem cultural do bairro e seus arredores. Funcionário da UFSC, artista maduro e crítico, explodiu sua vida em cores na pintura mural Humanidade.”

(Clóvis Werner, historiador – Catálogo do Projeto Assim Hassis, 2006)

 

“Não houve um só HASSIS, mas vários: o pintor e o desenhista autodidata, o criador a óleo e a nanquim, o muralista e o publicitário de painéis e cartazes, o ilustrador de capas de livros e revistas, contos e crônicas… HASSIS se torna a própria quintessência da arte, que é a simplicidade e a espontaneidade, a capacidade de “descobrir o real sob a epiderme do visível”…

(Sérgio da Costa Ramos – Diário Catarinense 04/07/2001)

 

“O homem não precisa ser coerente. A obra de arte é sim, para se alçar à potência expressiva e adquirir intensidade e eficácia quando gerada pela organização que lhe impõe um sujeito atento, que não vacila, mormente quando “improvisa”. Nesse ponto todas as fidelidades se encolhem; expande-se apenas o olhar interrogador sobre a matéria ou gesto. “Pagar ou ver”, eis a fórmula em que HASSIS resume a saga que envolve esse contínuo percrutar, que jamais conduzirá às certezas. E que foi magistralmente vivido por ele na série de desenhos que nos legou, e que traduzem com perfeita adequação a epígrafe que lhe pedimos de empréstimo, e que aqui repetimos: ‘Eu, graças a Deus, nunca encontrei o que busco’.”

(João Evangelista de Andrade Filho – Professor titular da UnB e Administrador do Museu de Arte de Santa Catarina – MASC)

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HASSIS – Curriculum Vitae

Ô Catarina!
(Publicação da Fundação Catarinense de Cultura, teve o nº 44,
todo dedicado a Hassis – Florianópolis, janeiro e fevereiro de 2001)

Projeto Assim Hassis, em parceria também com a UFSC,
em comemoração aos 80 anos de nascimento do artista.

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(SOBRE O MURAL “HUMANIDADE” NA IGREJINHA DA UFSC)

A VISÂO APOCALÍPTICA DE HASSIS

Mural Humanidade

Mural Humanidade

[ Hassis e os Murais da Trindade, segundo a crítica e estudiosa de arte, Adalice Araújo, na coluna “Artes Visuais” do Jornal “Gazeta do Povo” de 3 de maio de 1979, Curitiba-PR – FONTE: “Informativo do Clube 12”, nº 31, 27 de maio de 1979. As fotos deste link são de 1978, 1996 e 2005.]

 

Hiedy de Hassis Corrêa pode ser considerado como um dos mais atuantes artistas do sul.

A extrema lucidez face aos problemas existenciais da sua época, unida a um ostensivo combate à violência, à inércia e à mediocridade fazem dele o “vaticinador da ilha”, aquele que não faz concessões.

Isso naturalmente ocasiona uma defasagem entre a sua imensa produção e o consumo da sua obra; sendo talvez o artista que menos vende. Daí porque se sinta como “o profeta que clama no deserto”; o que, porém, longe de desanimá-lo constitui-se num desafio à sua criatividade e incentivo à constante busca de renovação.

Sua obra atual surge como resultante de 20 anos de pesquisa. Saindo de uma pintura documental, com passagens pelo fauvismo, expressionismo, pop-art, concretismo – foi, no decorrer do tempo, penetrando numa atmosfera, nascida sob a égide de um telurismo crítico.

Ao longo da sua carreira observam-se algumas constantes: o processo narrativo, seja para falar das coisas catarinenses, como dos grandes problemas existenciais; a preocupação pelo homem como ser social; a tentativa de captar o local e de integrar-se à contemporaneidade. Conseqüentemente, a incessante busca – que, se julgada superficialmente pode parecer incoerência – mas que no fundo é autonomia criativa levando-o a ser não só um dos pioneiros da adoção da pop-art no sul do país, como um dos mais vigorosos muralistas contemporâneos em território nacional.

Há de se considerar ainda que tanto Hassis, como Pléticos, situam-se num nível de produção, cuja nascente está localizada no mito, tal como o divisou James E. Miller Jr. “por um lado como um exercício estético de preservar e reafirmar a fusão mágica e por outro como dramatização política de conflitos e interação de poderes que agem no interior das qualidades e objetos com os quais os poderes parecem identificados”.

Assim é que vamos encontrar uma mitopoesis c¡clica na obra de Hassis que, sem deixar de ser local, inscreve-o na corrente monumental no muralismo latino-americano e num conceito de universalismo.

Hassis, sob sua imponente obra, nos murais da Capela da Santíssima Trindade. Os murais têm mais de 160m2, e a capela fica no campus da UFSC. Ao fundo, na parede principal, a Santíssima Trindade. O rei negro segura o cálice com um rei branco […] para simbolizar a união das raças.

 

PROCESSO OPERATIVO

Temática – Em realidade, a obra de Hassis é unida por um elo co-existencial – verdadeiro gênese de sua obra – tornando-se difícil isolar as temáticas que usa, já que partem de uma raiz comum.

É, portanto, com objetivos meramente didáticos que propomos a seguinte classificação temática para a obra de Hassis:

a) Iconografia do cotidiano: onde capta a paisagem e o folclore ilhéu.

b) Temática social: surgida como evolução da pesquisa anterior, atinge seu clímax na série “Arquibancadas”.

c) Temática religiosa: inspirando-se em temas bíblicos, serve-se de uma linguagem dialética na “Via Crucis”.

d) Temática metafísico-tropical: usando recursos do concretismo – fase de Itaguaçu – engaja-se à Heidegger indo aos problemas fundamentais do homem, da sua natureza profunda e da sua inter-subjetividade, sem esquecer o sentido mágico local.

e) Temática catastrófica: como um vaticinador, grita contra as injustiças sociais, questiona o drama existencial do homem no século XX, o que é bastante evidente nas séries: “Humanidade”, – “O Homem e os Sete”, verdadeiras mitopoesias c¡clicas; e finalmente nos murais da Capela da Santíssima Trindade, a sua linguagem apocalíptica atinge o clímax.

 

OS MURAIS DA CAPELA DA TRINDADE

Para a Capela da Trindade, localizada no Campus da UFSC, HASSIS pintou uma  área de 160m2 que, ao lado da Via Sacra de Theodoro Bona para a Igreja de N. Sra. do Porto de Morretes; da tapeçaria de Janete Fernandes para a capela do Colégio Bom Jesus; dos murais de Aldo Locatelli para a Igreja de São Pelegrino de Caxias do Sul, figura entre as mais expressivas obras de arte religiosa contemporânea no sul do país.

Trata-se de um trabalho vigoroso, de absoluta contemporaneidade,em que HASSISprocura fundir o tropicalismo à dor existencial do ser humano neste fim de século. Para interpretar a trágica condição do homem triturado pelo sistema, serve-se da linguagem altamente simbólica do Capítulo VI do Apocalipse segundo São João.

 

AS ORIGENS DO TRABALHO

Por estar dentro do perímetro de seu campus universitário, a UFSC adquiriu recentemente o terreno em que se localiza a capela da Santíssima Trindade.

Trata-se de uma pequena igreja de nave única, separada por uma arcada – devido às suas primitivas funções – em dois ambientes. Um deles, a nave propriamente dita, e o outro a abside, espaço reservado ao alto-mor, com o teto abobadado, que por ter sua planta retilínea, é denominado de “capela-mor”, pelos arquitetos brasileiros.

Considerando o valor histórico desta igrejinha, a Reitoria resolveu restaurá-la para que abrigasse do Centro de Atividades Artísticas Universitárias, que serviria como auditório para recitais de poesia, corais e orquestras de câmara, cuja supervisão geral foi confiada ao maestro Acácio Santana.

Em inícios de 78, Hassis que era então funcionário da UFSC, foi visitá-lo. Entusiasmou-se tanto com a restauração da capela – onde na infância ajudara como sacristão – que comentou que executaria os murais em suas paredes, sem nada cobrar, bastando que seu tempo de permanência na Universidade fosse colocado à disposição do Centro de Atividades Artísticas, e que lhe fosse dado liberdade de atuação.

A conversa chegou ao Reitor, que aceitou a proposta na íntegra, inclusive no que diz respeito à interpretação dada pelo artista.

 

À DIREITA, A ABERTURA DO 3º SELO

HASSIS iniciou a pintura pela capela-mor propriamente dita. Apenas após sua conclusão é que executou o mural na arcada da separação com a nave.

Para conseguir resumir o “miserere” humano recorre à trágica e, ao mesmo tempo, fantástica ruptura dos sete selos, e, ao surgimento dos quatro cavaleiros narrados por São João no Apocalipse.

Na parede ao lado direito representa como temática principal a chegada do cavaleiro negro que segura a balança.

Em vez de trocar um dia inteiro de trabalho pelo trigo e cevada – referindo-se à inflação que atravessamos – substitui-os pela banana, símbolo tropicalista e ao mesmo tempo da impermanência das coisas. Um negro abutre, símbolo do orgulho e da opressão, reina como o Anticristo no alto da composição.

A cena é extremamente dinâmica; seres gesticulam, alucinados. Cavalos, filhos da noite, símbolos do psiquismo inconsciente, da impetuosidade dos desejos, atiram-se contra eles. Nos extremos, anjos cujas asas são folhas de bananeira, presentificam ainda aqui a natureza ilhoa e a abrangência tropicalista.

Mais à esquerda, como um sol, surge um relógio, sem ponteiros, porque há tempo para o despertar; não há hora para morrer; não há hora para fazer nada; toda hora é hora… todo tempo é tempo.

Uma viscosa serpente interpenetra-se entre os corpos como símbolo do feminismo do homem, identificando-se com Mercúrio, o deus andrógino.

 

Mural Humanidade. Foto: Bianca Kaizer/DAC (2018)

PAREDE CENTRAL SANTÍSSIMA TRINDADE

No 7º capítulo, quando fala nos eleitos, São João diz: “Depois disso, olhando, vi uma multidão incalculável, de todas as nações, tribos, povos e línguas, de pé diante do Cordeiro”. Foi justamente ao Cordeiro, símbolo de Cristo, que Hassis recorreu como centro de interesse da composição, que se desenvolve em torno dele de forma simétrica, mas igualmente dinâmica. Sobrepondo-o surgem dois reis, figuração duplicada de Deus Pai, através da qual o autor pretende unir as raças. O rei à direita é negro, e branco, à esquerda. O conceito de rei, tradicionalmente vinculado a impulsos cósmicos, liga-se ao arquétipo da perfeição humana.

Os reis seguram uma taça, com sangue de Cristo, símbolo sacrifical que por extensão representa a humanidade oprimida. O Espírito Santo é representado por uma pomba de grandes dimensões, que domina o alto da composição, atingindo um significado de paz, imaginação e liberdade espacial.

Embaixo, mãos em chama sugerem purificação, pedido de clemência e exaltação. Correspondem àuma tradição iniciática: “um estado de coração”.

À direita o cavaleiro branco, é que surge após a abertura do 1º selo. Segura o arco que corresponde, segundo a interpretação bíblica: “ao princípio das dores que fala Jesus no seu discurso escatológico”; sendo ao mesmo tempo uma arma de exorcismo e expulsão.

À esquerda, o cavaleiro com chifres, brandindo uma espada, representa as forças regressivas. Razão pela qual o demÔnio na iconografia cristã, é assim representado e porque também HASSIS assim simboliza o quarto terrível cavaleiro, chamado morte, aquele que montava o cavalo desbotado.

 

À ESQUERDA, CRUCIFICAÇÃO NA ESCADA

A tragédia prenunciada complementa-se na parede do lado esquerdo. O pássaro figurado, pela lança, simbolismo axial, denota que o homem ainda continua tribal, primitivo. A aldeia global não é nada mais nada menos que um clã antropofágico universal, que continua se autodevorando.

Repetem-se as mesmas gesticulações dramáticas. A posição da lança em diagonal não só introduz uma sensação alucinantemente dinâmica à composição, como cria impressão do remo de uma barca, na dramática travessia do inferno, descrita por Dante. Para HASSIS que passou a adolescência lendo os noticiários dos terríveis massacres praticados pelos nazistas, os campos de concentra‡Æo da II Grande Guerra, continuam ainda hoje no Vietnã, nas bombas nos aeroportos, que continuam até hoje (como no Vietnã), ou nos massacres contra atletas em olimpíadas.

Mais ao centro da composição, a crucificação ocorre em uma escada. Segundo Hassis, morrer na cruz foi privilégio de Cristo – “Acho que hoje o homem é crucificado na escada. No que tenta galgar o 1º degrau tem mais 20 querendo subir. Ele está, portanto, amarrado ao nascedouro”.

Abaixo, os arames farpados atravessando o corpo de outra figura, completa a imagem da agressão a Cristo, símbolo da humanidade.

Em meio aos gestos enlouquecidos, serpentes e outras imagens de atributos negativos, surge a esperança: um feto, símbolo das possibilidades de renovação e perpetuação do ser humano: germe da imortalidade.

 

NA ARCADA UM CRISTO ASTRONAUTA

Em dezembro de 78 Hassis complementou de forma triunfal os murais da Trindade, Homens-signos representados também aqui sobretudo pelas mãos, olhos, nariz e boca, atributos que nos  possibilitam ver, respirar, pegar. A serpente é finalmente atingida pela lança. Aos sons de trombetas e ladeado por anjos com asas de folhas de bananeira, Cristo assemelha-se a um astronauta solto no espaço dominando o centro da composição, o universo presentificando a capacidade do homem de triunfar sobre adversidade.

 

UM TRIPÉ ICÔNICO

Numa sensível análise, assim conclui Pisani, cr¡tico de arte: “Apóia-se simbolicamente num tripé icônico: a serpente, anjos, demônios, todos em luta pela posse do homem ou do poder. E para alcançar o poder em conseqüência, sobrepõe-se ao homem que não o busca e se equilibra em escadas quase impossíveis, numa autêntica crucificação. No entanto, apesar do conflito (as figuras são altamente deformantes, em cores vivas, primárias) há uma esperança que o verde em grande escala determina. Ali só as cores verde, azul, vermelho e branco são predominantes e aumentam o dramatismo da visão apocalíptica do pintor. O imenso painel tem uma perfeita unidade plástica pelo processo narrativo que o orienta. Eis um trabalho que veio para ficar e enriquecer mais um prédio da UFSC”.

 

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